Lição da Barbie: marketing de nostalgia com conceitos atualizados cria brand lovers

Redação Ecomunica

08 Agosto 2023
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De repente, o mundo (e o nosso feed) ficou cor-de-rosa, e um filme de boneca tem levado legiões de adultos a lotar salas de cinema. O fenômeno Barbie e a tendência Barbiecore viraram case de como o marketing da nostalgia pode gerar conexão, mesmo em tempos tão desafiadores para engajar emocionalmente o consumidor. Mas, afinal, quais seriam os grandes trunfos do filme da Barbie? Por que a produção tem gerado tanto buzz, mais até do que outras produções com personagens old school, como Sonic e Super Mario? A resposta pode estar, ora veja!, nas práticas de DEIP (Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento), no reposicionamento dos valores e atributos da marca, no branding bem definido e, é claro, nos milhões de dólares investidos em marketing…

Estima-se que, além do orçamento de US$ 145 milhões para produzir o longa, a Warner Brothers tenha gasto outros US$ 100 milhões só na campanha de marketing, que inclui trailers especiais, álbum com grandes nomes da música internacional, turnê com atores, uso de IA para que os fãs fizessem seus próprios posters-selfie, além de parcerias com diversas marcas. Ao todo, a Mattel (dona da boneca) fez co-branding com mais de cem labels, incluindo Airbnb, Burger King, Zara, GAP e até grifes luxo, como Chanel e Louboutin ― que estão vestindo a protagonista, Margot Robbie, para os eventos do filme.

A retomada de décadas passadas sempre foi matéria-prima da moda, e a chamada “economia da nostalgia” é a responsável pelo o resgate de roupas e acessórios dos anos 1980, 1990 e 2000 que vem ocorrendo na última década, quando pochetes, make colorida, cintura baixa e outros itens retrô  voltaram às vitrines. No entanto, com a pandemia, a nostalgia ganhou muito mais força e, mais do que um hype, tornou-se um comportamento que, segundo os bureaus de tendência, deve permanecer entre nós, trazendo à baila também músicas, personagens e seriados que nos levam a uma zona de conforto.

Afinal, a nossa memória emocional faz a gente romantizar uma determinada época, associando-a a recordações positivas de determinada fase, a afeto, aconchego, segurança, a algo familiar…

Todo esse caldeirão afetivo ganha, desde 2020, novas proporções com o potencial viral das hashtags do TikTok. 

Não à toa, vimos nos últimos tempos a volta de bandas em turnês “de despedida”, reebots de filmes e séries, episódios especiais de séries famosas (como Friends), continuações de filmes ligados à infância das gerações X e Millennial (Transformers,  Dungeons & Dragons, Star Wars, Indiana Jones, Super Mario, Sonic…).

Depois do sucesso de Barbie, a Mattel tem projeto para lançar outros 14 longas e  já escalou roteiristas e diretores de peso para dar vida a outros produtos da casa, como as adaptações live-action da boneca Polly Pocket (com roteiro e direção de Lena Dunhan, e Lilly Collins como protagonista) e Barney e seus Amigos, que terá produção do aclamado Daniel Kaluuya (do filme Corra!).

Segredo revelado

Destrinchando a recente Barbiemania, é possível identificar estratégias bem sucedidas de marketing da nostalgia.

Sem dúvida, a primeira delas é explorar uma marca com branding muito bem definido, com identidade visual única (a combinação de tons de rosa + a fonte + logo são inconfundíveis) e uma história relevante, que está na vida do consumidor desde a infância.

Conhecer muito bem o público consumidor, a tal “persona” do marketing, também é fundamental, porque tanto o filme quanto as campanhas puderam explorar detalhes afetivos do público com a boneca, fatos que só quem viveu sabe ― e quem nunca brincou com uma Barbie riscada de caneta ou com cabelos destruídos, que atire a primeira pedra!

A antecipação também foi uma baita ferramenta de gatilho mental. Ao lançar spoilers estratégicos e trailer com referências de bonecas focando gerações diferentes, a curiosidade dos fãs foi instantaneamente aguçada.

O bom uso das redes sociais ainda transformou investimentos pagos num engajamento orgânico massivo, no qual marcas pequenas e comércios de bairro querem tirar uma lasquinha da febre cor-de-rosa, e pessoas de diversas idades entraram na brincadeira de homenagear a boneca da infância.

No mais, quando se fala em um bom marketing da nostalgia a ideia também é sempre pensar em uma releitura, reposicionando de marca, ao rever identidade,  valores e atributos ― e fazendo mea culpas, se preciso for. E isso o filme da Barbie faz de maneira muito precisa.

No longa, a roteirista Gerta Gerwig criou uma narrativa que quebra o estereótipo de perfeição tanto da boneca quanto de seu mundo, trazendo questionamentos éticos e visões muito mais adequadas aos anseios do século 21. Quer outro exemplo? Ao surfar na onda retrô, a Nokia relançou o famoso celular “tijolão”, hit dos anos 2000, com direito ao clássico jogo da cobrinha. Porém, a nova versão tem câmera e conexão com a  internet, o que agrega valor e transforma um objeto do passado em um produto útil para os dias atuais.

Além de promover a modernização do universo da boneca, a nova narrativa da Barbie acompanha algo que está muito em voga hoje, que são as políticas de DEIP, já que faz uma crítica social, levantando questões como equidade de gênero, diversidade e inclusão. Tudo com humor e ironia fina.

Representatividade importa

Lançada em 1959, a Barbie demorou a abraçar novos corpos e fisionomias. O investimento em diversidade veio quase 60 anos depois, para reverter um quadro de queda acentuada das vendas, que começou em meados dos anos 2010, com o aumento da popularidade dos brinquedos eletrônicos e tablets, além dos questionamentos da sociedade em torno da beleza-padrão inalcançável da figura branca, loira e magérrima.

Em 2016, a Mattel começou a investir em representatividade, lançando bonecas de três biotipos diferentes da original: curvilínea, alta e baixa. As Barbies dessa nova coleção passaram a ter sete tonalidades de pele, 22 tipos de olhos e 24 de cabelos. Apenas em 2020 é que a empresa incluiu no catálogo bonecas com vitiligo, sem cabelos, cadeirante, com prótese no lugar de uma perna…

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Ao longo dos anos, a Barbie também passou a representar diversas profissões, de médica a astronauta, de bombeira a jogadora de futebol e empreendedora.

O mais recente lançamento foi em abril, da Barbie com Síndrome de Down, que tem estrutura mais curta e tronco mais longo do que a original, além de olhos mais arredondados, orelhas menores e ponte do nariz levemente achatada.

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Essa nova visão de mercado contribuiu para que a marca se fortalecesse e criasse vínculos mais profundos com seus consumidores. Na pandemia, a boneca foi responsável pelo melhor trimestre da Mattel em 20 anos, já que as vendas cresceram 29%, graças aos pais que queriam tirar os filhos da frente das telas. Em 2021, novo recorde: um boom de vendas trouxe o melhor crescimento em duas décadas.

Segundo levantamento da Quantum Finance para a Folha de S. Paulo, as ações da multinacional americana de brinquedos chegaram a registrar queda de 17,25% em 2022, mas neste ano conseguiram se recuperar, acumulando alta de 19,06% até 27 de julho.

Hoje, já são mais de 1 bilhão de bonecas vendidas, aquisições em mais de 150 países, inspirando videogames e mais de 30 de filmes de animação.

De acordo com uma estimativa da Statista, a Mattel deve arrecadar US$ 55,7 bilhões mundialmente somente com vendas de bonecas da franquia. E as projeções de lucro só com a bilheteria do filme podem bater a casa dos US$ 500 milhões.

Difícil falar em fórmula de sucesso, mas o bom exemplo do marketing de nostalgia de Barbie mostra que, hoje, vivemos um tempo histórico em que repensar privilégios dentro da sociedade e falar sobre equidade de gênero pode ser um caminho para lucrar criando verdadeiros brand lovers.

Redação Ecomunica

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