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Chacoalhão em Cannes: o que o Brasil pode aprender?

Escrito por Redação Ecomunica | 04/07/2022 21:33:49

O famoso e prestigiado Festival de Cannes enfim voltou a movimentar a Riviera Francesa na semana passada, após um hiato de dois anos — o evento foi suspenso em 2020 e realizado online em 2021. E, para além do glamour das festas, tapetes vermelhos e dos Leões entregues às agências pelos melhores trabalhos do mundo em publicidade, algumas reflexões pipocaram nas redes em forma de textão: afinal, o festival ainda tem a mesma relevância de outrora? Ainda prima pela inovação, mesmo com um formato e critérios antigos (e muitas vezes antiquados)? Pode continuar a ser considerado “o” encontro global da criatividade?

Um desses textões que nos chamou a atenção foi do Ian Black, fundador e CEO da agência New Vegas. No post, que traz um polêmico título, ele diz que: “A premiação representa a celebração e manutenção de um sistema que celebra a cultura da ‘meritocracia’, onde o benefício é unicamente individual e não há nada, absolutamente nada de retorno para a sociedade e/ou grupos minorizados e historicamente ignorados, menosprezados, desqualificados e estereotipados pela indústria e pela própria organização do festival, global ou localmente.”

Cadê a diversidade?

Em tempos de ESG e de #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam), os questionamentos aos status quo não são à toa. Existe hoje uma cobrança maior (e com mais apoio da sociedade) contra a baixa presença de negros entre jurados e ganhadores das premiações de audiovisual. Isso motivou mudanças recentes no Oscar e no Globo de Ouro.

Pois esse tópico provocou polêmica no Brasil antes mesmo de o Festival de Cannes começar. Em maio, um manifesto questionou diretamente Simon Cook, CEO do Cannes Lions, a respeito da falta de diversidade racial entre os jurados brasileiros. Até então, entre os quase 30 brasileiros escolhidos para avaliar os trabalhos em Cannes 2022, apenas um era negro (no caso, Angerson Vieira, diretor executivo de criação da Africa).

No ano passado, apenas uma profissional negra representou o Brasil: Samantha Almeida, atualmente na Globo, que fez parte do júri de Entertainment.

A ação suscitou a reflexão a respeito dos critérios utilizados pela organização para selecionar os jurados de cada País. “Se os critérios de Cannes não contemplam essa inclusão e essa representatividade, o que precisa mudar não seriam os próprios critérios?”, questionava o manifesto.

Como resultado das críticas, Cannes Lions acabou escolhendo outros oito brasileiros para o júri da chamada shortlist, sendo seis deles negros. A shortlist é a avaliação prévia – e de forma remota – dos trabalhos inscritos em algumas categorias a fim de simplificar a avaliação do júri que avaliará as peças inscritas durante o Festival, na França.

É preciso dizer que houve sim algumas iniciativas para trazer os temas da diversidade e sustentabilidade para o centro do festival. Mas, por outro lado, todas essas ações ainda parecem muito incipientes.

Mercado criativo responsável

Uma das iniciativas mais bacanas dos últimos tempos para o mercado das agências de comunicação foi a criação da rede de agências de triplo impacto (ati.), da qual a Ecomunica faz parte. A ati. é a primeira plataforma de agências de comunicação, marketing e publicidade comprometidas com a geração de impacto econômico, social e ambiental positivo da América Latina. Trata-se de um movimento que reforça as críticas à indústria da comunicação e publicidade sobre precarização do trabalho e conivência com campanhas com impacto social e ambiental negativos -  e, sim, infelizmente essas más práticas são comuns no nosso mercado.

Conectada com outras redes de agências de impacto, como a DNS (Do not Smile), na Europa, a ati. foi trazida para o Brasil em 2021 pela Ecomunica e Profile. E, agora, o grupo conta também com as agências Dupla Comunicação e Circular, e aguarda por outras agências brasileiras concluírem o processo de embarque oficial na rede. 

“Todas as agências ati. têm em comum a vontade de elevar a régua do mercado de comunicação em várias frentes, desde melhorar as condições de trabalho no setor a ampliar a atuação nas áreas de sustentabilidade ambiental e social de forma transversal aos negócios”, afirma Ellen Bileski, CEO e fundadora da Ecomunica.

Para ser membro da ati., as agências devem demonstrar ter um propósito de impacto definido, experiência concreta em projetos de triplo impacto para clientes e o desenvolvimento de boas práticas relacionadas à ética profissional, trabalho, gênero e aspectos ambientais.

Outro exemplo de coletivo é o Clean Creatives, que tem como lema “o futuro da criatividade é limpo”. O grupo é um movimento de publicitários e relações-públicas que incentiva  seus clientes a não trabalhar para empresas e marcas que produzem  combustíveis fósseis. Para eles, uma campanha para um cliente de combustível fóssil pode desfazer todos os ganhos de sustentabilidade de uma agência. O compromisso passa a ser com um futuro para a indústria criativa que não inclua a promoção da poluição.

Aqui na Ecomunica, temos o compromisso de não promover setores e empresas de alto impacto negativo na sociedade, como a indústria de armas, do tabaco, da carne e de combustíveis fósseis. E os chacoalhões que temos visto, como esse de Cannes e por meio de propostas inovadoras de eventos como o VidCon (referência em inovação), na Califórnia, representam uma esperança de que estamos no caminho para repensar coletivamente o mercado da Comunicação de forma conectada com pautas urgentes da sociedade: mais justo, inclusivo e diverso, alinhado com as práticas ESG.

Talvez ainda estejamos no início dessa jornada, mas esse é o caminho sem volta que convocamos todo mundo a percorrer.