10 lições da Beatlemania para construção de comunidades de marca

Redação Ecomunica

11 Novembro 2023
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Cinquenta e três anos após anunciar o fim do quarteto mais famoso do rock, os Beatles voltaram a estremecer o planeta neste início de novembro de 2023, com o lançamento de uma canção inédita, chamada Now and Then. Baseada numa gravação de John Lennon, iniciada por volta de 1977, a música foi concluída no ano passado por Paul McCartney e Ringo Starr. Com Inteligência Artificial, foi possível captar os vocais de Lennon de uma antiga fita cassete e eliminar ruídos. A notícia bastou para que beatlemaníacos do mundo todo ficassem em polvorosa, mostrando que a banda ainda é referência em construção de comunidade – competência tão admirada hoje no universo das marcas e influenciadores.

Capa do single Now and Then, dos Beatles

Tornar-se uma marca lucrativa, relevante e atrativa a ponto de ganhar brand lovers é o sonho de qualquer negócio – e, pensando nisso, o lema em estratégia de marketing e conteúdo nos últimos anos é criar comunidades engajadas. Sabe a sensação de ter um interesse comum, de se identificar com algo, aquele reconfortante senso de pertencimento?

No caso dos Beatles, a qualidade e autenticidade da banda, a sensibilidade para captar o espírito do tempo e o carisma dos integrantes aliado a estratégias de branding e conexão com a audiência construíram o fenômeno que, até hoje, figura em primeiro lugar entre os recordistas de venda de discos da História, com 600 milhões de álbuns vendidos mundialmente. Só nos EUA, os britânicos venderam 1,6 bilhão de singles.

A força da Beatlemania, maior fenômeno musical de todos os tempos, é a prova de que uma comunidade forte pode atravessar o tempo e tornar uma marca eterna. Mas o que podemos aprender sobre construção de comunidade, com práticas de meio século atrás que ainda funcionariam no mundo moderno?

Elencamos dez estratégias usadas pela banda que podem potencializar o Marketing de Comunidade. Afinal, aqui na Ecomunica, a gente acredita que fomentar e regenerar comunidades deve ser o propósito do marketing e da comunicação como um todo.

1. Não queira atingir todo mundo, mas respeite a diversidade

Em tempos em que há tanta disputa de atenção nas redes e mídias, é preciso escolher com quem se fala, para quem se vende. E isso não se trata de exclusão, afinal, você pode vender para qualquer pessoa. Só que, quanto mais específicos forem os interesses do seu público, maiores são as chances de a marca atender as necessidades da audiência.

Fãs dos Beatles criaram uma identidade compartilhada, independentemente de origem ou cultura, e consomem não apenas as canções, mas compartilham histórias, colecionam itens relacionados à banda e se reúnem em eventos criados para celebrar seus ídolos. Os beatlemaníacos são a prova de que uma comunidade pode ser diversificada e inclusiva.

2. Aposte na originalidade

Quando surgiram, em 1960, os Fab 4 eram bem diferentões. Eles não obedeciam à formação das bandas da época, com um líder, mas eram vistos como iguais, cada um com sua personalidade. No livro Beatleness: How the Beatles and Their Fans Remade the World, o autor Candy Leonard explica que, nos anos 1960, o mundo passava por mudanças de paradigmas: o presidente americano era o mais jovem da História, o acesso à TV se popularizava e havia um sentimento de esperança.

Para os jovens, a formalidade e as tradições americanas estavam ficando ultrapassadas. E John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr incorporaram a mudança, a quebra com a tradição – suprindo, assim, uma necessidade da audiência daquela época.

3.  Construa uma imagem forte

Mesmo contando com diferentes fases e influências, em dez anos de atuação em grupo, os Beatles construíram uma imagem forte e coerente, que evoluiu a cada novo trabalho.

Ilustração Ten Great Years, do artista Max Dalton, que retrata 15 looks dos Beatles ao longo de dez anos. Assim, o quarteto aparece replicado 15 vezes, em cinco filas laterais, cada uma com um tipo de roupa: de terno preto a trajes psicodélicos

Ilustração Ten Great Years, de Max Dalton

As principais características que eles representavam eram: juventude, originalidade, entusiasmo, felicidade, carisma e senso de humor. E as diferenças de personalidade de cada um fez com que assumissem arquétipos distintos numa química perfeita. 

Paul, o “beatle fofo”, é o que chamamos no marketing de “cara comum”, cujo maior desejo é se conectar com as pessoas. Lennon era o  “beatle inteligente” e mesclava os arquétipos do “sábio”, com um pingo de  “fora-da-lei”, cujo lema é: “as regras foram feitas para ser quebradas”. George, o “beatle introspectivo”, era descrito como buscador espiritual, com interesse em religiões orientais e meditação. Ele incorporava, portanto, o arquétipo do “mago”, que procura saber como o Universo funciona e transforma o mundo com experiências. Já Ringo é o beatle engraçado, cuja meta é se divertir e alegrar o mundo. 

Aliado a esses atributos, eles passaram por um rebranding, que moldou o visual da banda, como contou Brian Epstein, empresário da banda, em entrevista à Veja, em 1964. 

“Acho que os tornei mais profissionais. Os Beatles são muito inteligentes, sagazes, mas não eram requintados. Trouxe isso para eles: elegância, habilidade organizacional e dinheiro. Primeiro, estimulei-os a tirar as jaquetas de couro e, então, proibi que aparecessem de jeans. Depois, fiz com que usassem suéteres no palco e, por fim, com muita relutância, ternos. Ah, e proibi que eles fumassem e bebessem no palco também, hábitos pouco condizentes para uma banda que busca o sucesso”, explicou o executivo. 

Assim, no início da carreira, os garotos de Liverpool tocavam e cantavam músicas dançantes, com poucos versos, falando de amor. Depois, Epstein percebeu que, com o amadurecimento da banda, chegava a hora de lançar tendências. “Foi aí que ele incentivou-os a criar o que os faria únicos. Deixou-os decidirem como se vestir e dar opiniões políticas. Isso era radical na época”, conta o escritor Vivek Tiwary, no livro O Quinto Beatle, lançado no Brasil em 2014. Por isso, a segunda fase da banda conta com composições mais maduras, arranjos elaborados e letras mais longas e críticas.

4. Entenda seu público mais do que ninguém

O que a sua comunidade consideraria realmente vantajoso, desejável, colecionável? Os Beatles souberam ler o contexto político-social e viraram catalisadores de seu tempo. Eles sabiam que os jovens dos anos 1960 e 1970 aspiravam por uma revolução ideológica e novos sons. Conheciam o público e sabiam o que fazer para agradá-los. 

“Eles não eram provocadores. Seu grande tema é a infância perdida e o que fazer diante de um mundo sério e austero, mas organizado e seguro da Inglaterra onde eles cresceram”, explica o escritor e ensaísta americano Adam Gopnik em texto para a BBC. “Seus trabalhos mais duradouros – como Strawberry Fields e Penny Lane – contam histórias como a de um menino solitário num jardim que lhe traz conforto, ou de uma rua animada de Liverpool, onde um garoto esperto e sociável vê o mundo. Sons estranhos do passado – como bandas de metais – adornam as músicas dos Beatles, como ilustrações em um livro infantil. Sexo é um tema presente no primeiro disco, mas é raramente tratado nos demais álbuns”, explica.

5. Interaja (realmente) com seu público

A comunicação rápida e transparente desempenha um papel fundamental na criação de elos e confiança. De nada adianta ter canais de comunicação, se o público é ignorado quando entra em contato com a sua marca. Demorar para responder também pode ser encarado como sinal de descaso. 

Bem antes de existir redes sociais, os Beatles eram influenciadores e geravam conversa com a audiência, não só por músicas, shows, fotos, videoclipes e filmes. 

Como mostra o documentário Nossa Querida Freda — A Secretária dos Beatles (Good Ol’ Freda, no título original), lançado em 2013, a britânica Freda Kelly foi contratada aos 17 anos e era dela a responsabilidade por responder até 800 cartas que chegavam ao dia para o quarteto, além de editar a Beatles Monthly, revista mensal com notícias sobre o grupo.

6. Promova encontros

Os Beatles realizaram shows e eventos memoráveis ao redor do mundo. Hoje, mesmo depois de meio século após o fim da banda, os fãs promovem encontros para se conectar, muitas vezes pessoalmente. Essas reuniões proporcionam aos fãs a oportunidade de criar laços e fortalecer sua sensação de comunidade. E, hoje, esses eventos podem ser presenciais, virtuais ou híbridos, mantendo o relacionamento próximo e humanizado.

7. Estimule a cocriação

Sem cocriação não há comunidade, apenas um canal de comunicação entre a marca e fãs. Para fortalecer o pertencimento, as pessoas precisam sentir que estão construindo algo juntas. E a comunidade é um organismo vivo: depois de ativada, ganha vida própria. 

Além de os Beatles lançarem remasterizações, publicarem novos materiais e reeditarem álbuns, os fãs seguem criando coisas a partir de seus ídolos. Dos anos 90 até agora, por exemplo, foram lançados mais de 12 produtos relacionados às canções e à história do grupo, incluindo uma antologia completa de gravações, músicas inéditas (Free as a Bird e Real Love foram lançadas em 1995 e 1996), diversos documentários, um espetáculo do Cirque du Soleil chamado Love e um jogo de videogame chamado Beatles Rockband. Em 2008, a Lego abriu o site Lego Ideias e, desde então, os fãs criam novos jogos, inclusive inspirados nos Beatles. 

Artistas também se inspiraram nas canções da banda para cocriar outras músicas e até peças publicitárias. No cenário de 2023, essa cocriação pode ser traduzida ainda em geração de conteúdo pelos usuários (UGC) e feedbacks valiosos para aprimorar produtos e serviços, a partir da ótica de quem consome a marca.

8. Foque na qualidade

Em vez de seguir as tendências da música da época, os Fab 4 criaram as suas próprias – e sempre com qualidade técnica impecável. 

Tanto que, em 2019, a organização alemã Max Planck Institute organizou um experimento científico para descobrir qual seria a música pop mais perfeita já escrita, e a grande campeã foi Ob-La-Di, Ob-La-Da, dos Beatles. Lançada em 1968, a canção concorreu com 80 mil variações de acordes, tiradas de 700 faixas gravadas entre 1958 e 1991. Computadores deram notas a cada uma dessas variações, e a pesquisa revelou que a imprevisibilidade de ser surpreendido quando achamos saber qual o próximo acorde foi o fator que decidiu as músicas com melhores avaliações. Não ter certeza de como a canção vai progredir gera atividade em uma área do cérebro diretamente ligada ao prazer musical.

9. Amplie a comunidade com estratégia

Muito antes do case Anitta no Brasil, os Beatles trabalharam, há 50 anos, para conquistar a audiência dos Estados Unidos, com objetivo de ficar conhecidos no mundo todo. Com esse intuito, fugiram do estilo e de temas convencionais da música popular americana, explorando a criatividade e a individualidade. E, com apoio da gravadora e do empresário, houve todo um esquema de divulgação, aparições promocionais e ações com lojas de discos e rádios dos EUA. 

No livro O Quinto Beatle, Tiwary conta que no Natal de 1963, quase ninguém nos EUA conhecia a banda, mas, na turnê em fevereiro de 1964, 72 milhões de pessoas assistiram pela TV ao show dos Beatles no programa Ed Sullivan Show

O escritor Candy Leonard também conta sobre esse momento: “Lembro-me de ter lido um artigo no jornal que dizia ‘Beatles invadem a América’ e, como eu não sabia quem eram os Beatles, fiquei meio assustado. Acho que estava pensando que eles eram algum tipo de terrorista ou algo assim. Quando descobri que eram um grupo musical, fiquei muito aliviado; quando os ouvi, mudaram minha vida para sempre.”

10. Evolua com o amadurecimento da sua comunidade

Seu público pode mudar ao longo do tempo e, por isso, é preciso recalcular a rota sempre que necessário. A capacidade dos Beatles de evoluir musicalmente contribuiu para a longevidade do sucesso –  o que mostra que uma comunidade pode se adaptar às mudanças. 

Segundo o autor Candy Leonard, alguns fãs haviam se desconectado da beatlemania, mas os redescobriram com seus filhos, quando a série Beatles Anthology foi lançada nos anos 1990. “Outros começaram a ouvir atentamente novamente em outros pontos desde então”, explica em seu livro sobre a banda. 

Isso criou um sentimento de herança familiar dos fãs e, juntamente com a atualização da marca e dos produtos criados após o fim da banda, tornou o grupo um produto com alto valor nostálgico, mas que está sempre sendo readaptado para se adequar aos novos tempos. O uso da Inteligência Artificial neste novo lançamento traduz um pouco disso.

O resultado é que, hoje, o poder de conexão, paixão e engajamento da Beatlemania se traduz em números sempre crescentes: são 32.158.325 ouvintes por mês só no Spotify (“The Beatles - Spotify Stats,”), 7,1 milhões de fãs na Deezer; e nada menos que 141,8 milhões de visualizações no Youtube nos últimos 30 dias (“The Beatles’s YouTube Stats”).

 

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