Upcycling é o futuro da moda?

Redação Ecomunica

15 Fevereiro 2022
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A moda, como várias indústrias, tem sido cobrada por seu compromisso ambiental e social e tem, lentamente, respondido aos desafios da ESG que se impuseram como norte para os negócios desde 2020. Enquanto vemos algumas marcas queimarem - literalmente - seus estoques, felizmente também cresce o número de estilistas que nos oferecem caminhos alternativos, entre eles, o upcycling.


Tudo novo, de novo

O termo upcycling vem do inglês e significa, em tradução livre, reaproveitamento. O upcycling propõe que a criatividade deve guiar o design, desconstruindo roupas usadas e criando peças totalmente diferentes com elas. 

Não se trata do simples reuso das peças, muito menos de “modinha”. Quer um exemplo incrível de como o upcycling vem ressignificando peças há muito tempo? A blusa feita de bonés de baseball, assinada pelo estilista Miguel Adrover, para a sua coleção de 2000. “A produção é toda artesanal: depois de separadas, as peças formam uma espécie de quebra-cabeça”, explica nesse artigo da revista Elle.

Outro bom exemplo é a coleção assinada por Naomi Osaka para Levi’s, composta por peças feitas 100% com upcycling. Celebrando as raízes japonesas da tenista, a collab reaproveitou um estoque antigo da Levi’s para criar as peças exclusivas, reduzindo o impacto ambiental.

A PUMA também tem pensado em como ressignificar produtos antigos e, no início de 2021, uniu-se à designer Nicole McLaughlin, especialista em upcycling, para criar novas peças a partir de materiais que teriam sido descartados pela empresa. O grande destaque dessa coleção foi a jaqueta feita com luvas de goleiros usadas.

Jaqueta feita com técnica de upcycling por Nicole McLaughlin para Puma. (Foto: Divulgação / Puma)
Jaqueta feita com técnica de upcycling por Nicole McLaughlin para Puma (Foto: Divulgação / Puma)

Além da sua colaboração com a Puma, Nicole já cocriou com outras marcas, como Hermès e Prada. Sua visão de sustentabilidade e design se desenvolveu após trabalhar na Reebok e entender os processos para construção dos tênis. Em meio a tantas amostras e materiais, surgiu a curiosidade sobre o que poderia fazer com aquele "lixo".

O mesmo pensamento guia a marca Ahluwalia, que trabalha apenas com sobras de tecidos e peças vintage. A designer Priya Ahluwalia dá uma nova vida ao material existente por meio de várias técnicas têxteis e patchwork, o que significa que cada peça está disponível apenas em quantidades limitadas. A colaboração Mulberry X Ahluwalia foi um marco, uma coleção cápsula de lenços e bolsas Portobello feitas apenas de couro reaproveitado, o upcycling em uma grande maison.

Assim como Ahluwalia, a marca Reformation faz suas peças com tecidos de estoque morto resgatados e tecidos reciclados. Levando ao pé da letra seu slogan: “Being naked is the #1 most sustainable option - we're #2” (em tradução livre, Estar nu é a opção nº1 mais sustentável - nós somos a nº2).

E a ideia é exatamente essa: um processo de reaproveitamento do que já foi produzido, em nome de fabricação ambientalmente responsável e sustentável de novas roupas. É preciso ser sustentável, não ter impacto ambiental negativo e ter impacto social positivo. Compartilhando dos mesmos princípios, upcycling parece um caminho promissor para o ESG na moda, principalmente quando pensamos em grandes escalas e no estoque morto. 

A sigla que tomou conta do mundo corporativo nos últimos anos, ESG, está tornando cada vez mais difícil ampliar oportunidades de negócios e de investimentos para empresas que não se preocupam com meio ambiente, sociedade e governança. Não é à toa que já existem movimentos de grandes marcas de fast-fashion na busca por ampliar linhas de produtos confeccionados a partir da técnica de upcycling, como Renner e Urban Outfitters.

O consumo multiplica os problemas ambientais

Cavando mais fundo nas engrenagens da indústria têxtil, temos o algodão, planta base para inúmeros tecidos. Segundo a WWF, essa monocultura consome sozinha cerca de 14% das vendas mundiais de inseticidas e, de acordo com a Pesticide Action Network, 5% das de pesticidas. Sabemos que essas substâncias, em contato com a terra, podem causar enormes desequilíbrios ambientais, além de contaminar rios e solos. 

O descarte da indústria, dado o ciclo de vida curto das coleções, é imenso. Segundo a Forbes, peças compradas em fast fashion são usadas menos de 5 vezes e jogadas fora cerca de um mês depois. Vale lembrar que durante a criação de peças, 25% de tudo que é produzido vira lixo, isso sem falar no seu descarte, em que praticamente nada tem sido reaproveitado.

De acordo com o Sinditêxti-SP (Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo), no Brasil são produzidas cerca de 175 mil toneladas de resíduos têxteis provenientes dos cortes e enfeites das confecções nacionais; e estipula-se que mais de 90% destes resíduos sejam levados a aterros sanitários e outros tipos de descartes incorretos.

Em contrapartida, observamos um movimento crescente de marcas e designers emergentes se apropriando do upcycling e desenvolvendo coleções considerando todo o ciclo de vida das peças. 


Upcycling é uma solução?

Apesar de desafiar os processos criativos e produtivos de moda, o upcycling tem dificuldades em se estabelecer. A desconstrução e reconstrução de roupas é uma técnica que pode ser demorada e feita à mão, o que diminui e encarece a produção. O upcycling oferece um caminho, mas não é uma resposta ao problema.

Por outro lado, nos preços baixos propostos pelo fast fashion nem sempre são discriminados os impactos socioambientais atrelados ao modelo. É o famoso barato que sai caro, pois não pagamos do nosso bolso pelos danos acarretados pela produção em massa, mas sofremos coletivamente em uma planeta que caminha em direção a um colapso ambiental.

Apesar de não ser uma solução viável para todes, o upcycling surge como uma alternativa para o consumo mais consciente e alerta sobre os excessos produzidos pela indústria da moda, atuando ainda em pequena escala, elevando a condição do material reutilizado por meio do trabalho manual. 

O upcycling, no contexto de consumo global, ainda é um movimento pequeno. Entretanto, enquanto movimento, ele se faz muito efetivo ao levar o público a repensar o seu consumo, ressignificar suas peças, cuidar do que já tem, lidar com o lixo que produz e sobre como adquirir e descartar de forma mais consciente. 

Redação Ecomunica

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